sexta-feira, 11 de abril de 2008

Briga pelas sobras. TSE analisa critérios para aplicação do quociente eleitoral.

por Aline Pinheiro

O Tribunal Superior Eleitoral retoma, nesta quinta-feira (10/4), o julgamento que pode mudar o critério para preenchimento das vagas de deputado federal, estadual e vereador que ficaram vagas pelo critério do quociente eleitoral.

Até hoje, prevalece o entendimento de que participam da distribuição das sobras apenas os candidatos dos partidos que tiveram votos suficientes para eleger ao menos um candidato. A regra está baseada no artigo 109 do Código Eleitoral. Pela norma, o candidato mais votado nas eleições pode ficar sem mandato porque seu partido não obteve quociente eleitoral. Agora, o TSE pode mudar essa posição.

A discussão se trava no pedido de Mandado de Segurança 3.555 do candidato a deputado federal nas eleições de 2006 João Caldas. O quociente eleitoral necessário para ocupar vaga de deputado em 2006, em Alagoas, foi de 154,3 mil votos. A sua Coligação Alagoas Força do Povo obteve apenas 152 mil votos, o correspondente a 10,9% dos votos válidos do estado do Alagoas, mas abaixo do quociente eleitoral. Por isso, a coligação não participou da distribuição da sobras. Caldas foi candidato mais votado da coligação, com 34,3 mil, mas não teve direito a mandato. Foram eleitos deputados com menos votos, mas cujo partido atingiu o quociente eleitoral.

O julgamento, que começou no TSE em agosto de 2007, já foi suspenso por dois pedidos de vista. Por enquanto, só votaram o relator, ministro José Delgado, a favor do quociente eleitoral como cláusula de exclusão, e Ari Pargendler, contra o uso do quociente para preenchimento das vagas que sobraram.

Nos bastidores do TSE, acredita-se que o julgamento marcará uma mudança na jurisprudência e nas regras eleitorais. Embora ainda com apenas um voto contra a cláusula de exclusão, quem acompanhou o julgamento disse que os ministros ficaram sensibilizados com o caso de João Caldas e, por isso, teriam decidido rever o posicionamento do tribunal.

O ministro Carlos Britto, presidente eleito do TSE, ainda não votou, mas antecipou como deve votar ao dizer que já escreveu artigo contra a cláusula de exclusão. Marco Aurélio, mesmo que timidamente, defendeu a mesma tese com base na soberania do voto popular.

Nesta quinta-feira, o ministro Marcelo Ribeiro deve apresentar seu voto, ainda uma incógnita. A questão, no entanto, pode não ser resolvida hoje. Quem acompanha o julgamento de perto acredita que o próximo ministro a votar depois de Ribeiro, Caputo Bastos, deve pedir vista.

Mudança de regras

João Caldas busca no TSE ser declarado deputado federal. Ele ocuparia, na Câmara, o lugar do deputado federal Augusto César Cavalcanti Farias, eleito suplente pela Coligação Alagoas Mudar para Crescer. Farias, que teve menos votos do que Caldas, foi classificado como suplente à sua frente porque seu partido atingiu o quociente eleitoral e o de Caldas não. Farias assumiu uma vaga na Câmara depois que um dos quatro deputados eleitos pela coligação morreu. Se o Mandado de Segurança for deferido, Caldas se torna deputado e Farias retorna à condição de suplente.

Renato Ventura Ribeiro, advogado especialista em Direito Eleitoral, explicou que, como se trata de um Mandado de Segurança, a decisão vai interferir apenas no mandato de Caldas e Farias. No entanto, ele explica que a mudança de entendimento, provavelmente, vai resultar em uma Resolução do TSE que poderá valer já para as eleições para vereador, em outubro desse ano. “Podem até alegar o princípio da anuidade para mudanças eleitorais, mas isso só vale para mudança na lei, e não para novas interpretações.”

Para as eleições para deputado de 2006, não haveria mais como mudar o resultado. “Teoricamente, já passou o prazo para questionar o resultado das eleições. Aqueles que se sentiram prejudicados poderiam até entrar com ação rescisória, mas seria mais complicado”, diz. “Se houver a mudança de entendimento, não retroagir não é alternativa jurídica perfeita para os candidatos que foram prejudicados, mas é uma saída política.”

A perspectiva é de que prevaleça o parecer do cientista político José Antônio Giusti Tavares. Ele defende que a manutenção da cláusula de exclusão favorece os partidos maiores e prejudica os menores, ainda que estes tenham candidatos mais votados do que os dos outros. Em parecer encaminhado ao TSE, Tavares afirma que “o funcionamento de uma cláusula de exclusão destrói claramente não apenas a representação proporcional, mas o princípio da igualdade quanto ao valor do voto e compromete, no distrito, o pluralismo político”.

O ministro Ari Pargendler, que acompanhou o parecer de Giusti Tavares, argumentou que a cláusula de exclusão, no caso de João Caldas, “desqualifica a manifestação eleitoral que supera a margem de 10%”. Ele também se baseou em entendimento do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, expresso na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.351.

Nela, Gilmar Mendes argumentou que o atual sistema de exclusão permite que “candidato sem nenhum voto nominal seja eleito”. Ele lembrou do que ocorreu nas eleições de dezembro de 1945. O PSD tinha dois candidatos. Um deles não obteve nenhum voto. Mesmo assim, por ter atingido o quociente eleitoral, o partido conseguiu eleger o mais votado, para as vagas normais, e o sem voto nenhum, para uma das vagas das sobras.

Pargendler também rebateu o argumento já usado pelo TSE de que o Código Eleitoral é claro ao excluir da distribuição de vagas os partidos que não atingiram quociente eleitoral. Para ele, a regra viola o artigo 14 da Constituição Federal, que diz: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. O Código Eleitoral não pode se sobrepor à Constituição, disse.

Fonte: Consultor Jurídico

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